domingo, 28 de outubro de 2007


Que le temps d'avant, c'était le temps d'avant

Tão fácil às vezes lembrar-se de situações as quais seriam preferíveis que não fossem difíceis de esquecer. A mente torna, retorna, e chega a um ponto de partida, como se andasse em círculos. Não obedece a vontade própria, aliás, ELA sim possui essa vontade própria.


Queria não lembrar que errei. Queria apenas aprender com esses erros, e não mais cometê-los, e dessa forma não conviver mais com eles.


Queria não lembrar que fui humilhado. Queria apenas consertar todas minhas características que foram dignas de humilhações, para que elas não mais se apresentassem.


Queria não lembrar que devotei atenções e prioridades a quem não as queria, e que, portanto as legaram à mera e reles basura. Queria apenas aprender à quem direcionar tamanha força e concentração a pessoas que realmente fossem dignas.


Queria não lembrar que amei, e por amar, fui reduzido a motivo de escárnio e deboche. Queria apenas amar de novo, e sendo mais específico, ser capaz de amar de novo, sem receios e pés atrás.


Queria não lembrar que na grande maioria das vezes a vida não nos oferece exatamente aquilo que nós queremos. Queria ter a certeza que aquilo que desejo eu posso ter e alcançar, sem o medo de que a luta possa ser em vão.


Queria não lembrar que a vida pode ser cruel e ameaçadora em grande parte das vezes. Queria ter a ilusão de que tudo são rosas, e rosas, e rosas, e que não preciso andar com medo de tropeçar em pedras e espinhos.


Queria não ser realista ao extremo. Queria apenas me permitir o direito de sonhar com coisas que se afiguram como extremamente impossíveis de serem realizadas, e de se tornarem prática comum e corrente.


Queria esquecer que existe o fator limitante TEMPO. E que muitas coisas não se resolvem somente com o tempo. Queria apenas convencer-me que possuo todo o tempo disponível para acertar o verdadeiro caminho e para esquecer daquele que acabei de trilhar sem destino.
Queria esquecer que para tudo na vida, as pessoas demonstram interesse. Queria apenas acreditar que muitos, pelo menos a maioria, pautam suas ações pela total e completa falta de interesse, única e exclusivamente objetivando o bem estar alheio e a doação, assim como o fiz em tantas oportunidades.


Queria deixar no “tiempo del olvido” que por muitas vezes em todos os lugares que passei em minha vida até hoje, deixei pessoas com às quais em algum momento possa não ter agido corretamente. Queria ter a percepção que sempre consegui agradar a gregos e troianos, e que todo meu esforço foi sempre recompensado com a gratidão, e que por nenhum momento ocasionei a infelicidade alheia.


MAS, COMO PERCEBO POR TUDO QUE PASSEI, NEM SEMPRE O QUERER É PODER!


POSSO, por sobremaneira, tentar equilibrar coração e sentimento, half to half, e medir toda a doação, para que essa não seja nem escassa a ponto de se pressentir um descaso, e nem excessiva, a ponto de ser mal-entendida e possivelmente limitante.


POSSO, de uma forma simples, olhar em frente, aprender com os erros, pensar sempre antes de agir, e dessa forma minimizar daqui para frente a ocorrência de acontecimentos dos quais seria melhor nem lembrar.


POSSO, e tenho a capacidade para isso, tornar meus sentimentos mais passíveis de controle, e mais previdentes, e antes de ser tomado de paixões efêmeras e passageiras, raciocinar melhor a quem entregar meus sentimentos, que de tão difíceis de serem definidos, acabam se tornando um bem extremamente raro.


POSSO, com larga margem de razão, conscientizar-me de que apesar de fazer sempre o possível, aqueles que nos rodeiam são fruto de uma vivência diferente, e por isso acabam enxergando e entendendo os fatos de maneiras díspares, e dessa forma podem enxergar as coisas de uma forma muito diferente da minha. Nesse sentido, mal-entendidos podem ser constantes, e não dependem exclusivamente de mim para que aconteçam.


POSSO, todavia todos podemos, fazer do tempo um aliado, mas um aliado ao qual demonstramos respeito e subserviência, pois ele é quem vai dirigir a cinética dos acontecimentos, e que determina a duração dos objetivos e das próprias capacidades e a intensidade dos atos perante a sua necessidade.
POSSO, e quero ter certeza disso, esperar que “para todo pé torto, existe um chinelo velho para calçar”, e deixar o tempo ser rei, e adestrar os sentimentos à sombra da razão, e aguardar para que o dito “save the best for the last” ocorra na prática.


Depois de avaliar isso tudo, espero acreditar que o tempo de antes, FOI o tempo de antes.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

A presença de Billie Holiday


Praticamente impossível não me render ao poder da voz de Billie Holiday, como também é quase que inevitável ouvir as letras de suas músicas ressoando dentro de mim.


Engraçado esse meu gosto musical, sempre baseado em pessoas que sofreram tanto por amor, como Billie, Piaf, Maysa, Nina Simone, Elis... por mais piegas que possa parecer, me identifico com as situações que elas cantaram, por me sentir incluído de sobremaneira em grande parte delas.


Para temperar a noite de insônia, deixo a todos duas letras de músicas cantadas magistralmente por Billie, as quais me acompanham sempre que questiono o que é o sentimento, e principalmente como lidar com ele.


Sinceramente, é muito mais fácil lidar com a razão do que com os sentimentos.



SOLITUDE

Eddie Delange, Irving Mills, Duke Ellington


In my solitude you haunt me

With reveries of days gone by

In my solitude you taunt me

With memories that never die


I sit in my chair

Filled with despair

Nobody could be so sad

With gloom ev'rywhere

I sit and I stare

I know that I'll soon go mad


In my solitude

I'm praying

Dear Lord above

Send back my love



YOU DON'T KNOW WHAT LOVE IS

Don Raye / Gene DePaul


You don’t know what love is

Until you’ve learned the meaning of the blues

Until you’ve loved a love you’ve had to lose

You don’t know what love is


You don’t know how lips hurt

Until you’ve kissed and had to pay the cost

Until you’ve flipped your heart and you have lost

You don’t know what love is


You Don’t Know What Love Is



quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Eu queria cantar-te um fado


Eu queria cantar-te um um fado, que tivesse uma letra melancólica, mesclada à uma música lacerante, traduzindo toda a dor que sempre acompanha todo o amor.

Estranha Forma de Vida


Foi por vontade de Deus

Que eu vivo nesta ansiedade

Que todos os ais são meus

Que é toda minha a saudade

Foi por vontade de Deus


Que estranha forma de vida

Tem este meu coracão

Vive de vida perdida

Quem lhe daria o condão?

Que estranha forma de vida


Coracão independente

Coracão que não comando

Vives perdido entre a gente

Teimosamente sangrando

Coracão independente


Eu não te acompanho mais

Pára, deixa de bater

Se não sabes onde vais

Porque teimas em correr?

Eu nao te acompanho mais

sábado, 6 de outubro de 2007

No meio da tormenta, aparecem sempre lampejos reconfortantes....



Nessa noite, lembro-me de Zélia Duncan. Sim, a cantora niteroisense que grande parte do Brasil aprendeu a admirar. Recordo-me de quando a vi, no Palácio das Artes de Belo Horizonte, há alguns anos atrás, e também de como fui parar lá.


Estava eu em um sábado, bem de manhã cedo, rodando de carro por BH. Tinha sido mais uma noite DAQUELAS, em que tinha me sentido “the last of the lasts”. Mais uma noite típica do período negro que vivi em minha vida, no qual toda e qualquer faceta racional foi ofuscada por uma prevalência de um lado extremamente emocional e insano. E mais uma noite na qual sofri, na qual fui defrontado com todos meus fantasmas do passado (ponto para Dickens) e que fui assombrado por eles, através da visão que me ofereciam de quanto eu poderia ser alguém tão cheio de defeitos e problemas, a ponto de me tornar completamente indesejável e causador de nojo.


E de repente, vejo na Avenida Álvares Cabral um cartaz do show que Zélia Duncan iria fazer em Belo Horizonte. Não tinha a menor noção de que ela estaria na cidade. E comecei a me lembrar de músicas que ela cantava, tais como “num apartamento, perdido na cidade, alguém está tentando acreditar que as coisas vão melhorar ultimamente”. Ledo engano, Zélia, as coisas não vão melhorar, aliás elas caminham para um beco sem saída e com perspectiva de pioras. Na medida do impossível, está dando para se viver, na cidade de BH, o amor é imprevisível e inatingível.


Zélia, que sempre cantou poesias que encaixavam com perfeição nos buracos formados em minha alma. “O deserto que atravessei, ninguém me viu passar, estranha e só, nem pude ver, que o tempo é maior, olhei pra mim, me vi assim, tão longe de chegar, mas perto de algum lugar..” Que sempre expressou momentos que marcaram a fogo minha vida por diversas vezes, e profundamente. “O que vc quer, o que vc sabe, não é fácil pra mim, meu fogo também me arde, as vezes, me vejo tão triste.. . meu coração, só se esconde e dói...”. Que sempre esteve comigo quando lágrimas insistiam em parecer inexauríveis, e o fim da dor inacessível. “Quando olhaste bem nos olhos meus, e teu olhar era de adeus, juro que não acreditei, eu me estranhei e me debrucei sobre teu corpo, e te agarrei nos teus cabelos... dei pra maldizer o nosso lar, pra sujar seu nome, te humilhar, e me entregar a qualquer preço, te adorando pelo avesso...”. Concluindo, é exatamente o que eu estava precisando neste instante.


Data do show? No mesmo dia, naquele próprio sábado. Corro eu para o Palácio das Artes, rezando a todos os santos, orixás e beatos para conseguir uma entrada. Vou sozinho mesmo, a certeza quase indubitável de que terei de ir “all by myself” nesse show me faz desistir de qualquer tentativa de chamar quem quer que seja. Atitudes práticas, rápidas e objetivas são características minhas.


E, incrivelmente, consigo a entrada para o show. E olho para aquela entrada como uma possível passagem entre a dimensão que estou vivendo, e uma segunda, aonde as dores e os sofrimentos são atenuados e dispersos por uma voz cantando letras e músicas conexas. E me concentro naquele ingresso, como se fosse o último pedaço de esperança que me restasse, um bálsamo para tudo aquilo que estava passando e sentindo naquele momento.


Passo o resto do dia naquela ansiedade clássica de quem está próximo de um grande acontecimento. Compro roupas novas, cantarolo as músicas pelos cantos da casa, lembro-me de Niterói, telefono para minha mãe contando do acontecimento da noite. Sim, sempre minha mãe ouvindo, mesmo que disfarçadamente muitas vezes, tudo que acontece em minha vida.


E vou para o show. Quase uma hora e meia antes, aprendi com os mineiros que “o trem se espera é na estação” ou mesmo, como dizia a minha avó, “a missa se espera é na igreja”. Preciso me precaver contra qualquer imprevisto, o acontecimento é demasiadamente especial para ser perdido. Consigo fácil o estacionamento, e fico na porta do Palácio das Artes aguardando o momento da entrada triunfante. Essa experiência é muito enriquecedora, pois consegue-se observar as pessoas que chegam para o show, e vê-se claramente nos olhos destas que muitas encontram-se na mesma situação, ou, de outra forma, que possuem sensibilidade suficiente para conseguir entende o que Zélia vai transmitir. A sabedoria popular é inteligente ao afirmar que “um olhar vale mais do que mil palavras”.


As portas se abrem, entro e fico sentadinho em meu lugar marcado. Não é dos melhores, mas também não é dos piores. Estar sozinho num show tem essa vantagem, consegue-se bons lugares pois, como quase todos vão acompanhados, os lugares isolados que vão aparecendo de acordo com a venda dos ingressos são muito pouco disputados. E sentado admiro o teatro, cada forma, cada reentrância, cada detalhe, como se aquele palco fosse um Templo no qual a pitonisa estive a ponto de adentrar e expressar suas previsões.


As luzes se apagam, e a música começa a ser tocada. E de repente, os músicos entram por trás do teatro, e Zélia caminha com eles. E ela passa ao meu lado, e esse simples e fortuito “quase” contato me deixa extasiado. Que sorte pegar aquele assento de quina. E ela começa a cantar, uma a uma, canções reunidas num show intitulado “Eu me transformo em outras” (ou quase isso). Só o título é algo com o qual me identifico, pois muitas vezes, de acordo com cada situação, eu acabo me transformando (ou assumindo) outras personalidades, sempre no intuito de poder melhor me adaptar ao ambiente e responder as exigências e anseios alheios de forma mais plausível. E cada canção penetra em meus pensamentos, une-se a minha mente e permite que, naquelas poucas horas, minhas perturbações e angústias sejam esquecidas e remediadas.


Zélia não possui uma beleza clássica e nem condizente ao estereótipo que muitos procuram e almejam na atualidade (ODEIO ESTEREÓTIPOS). Mas a sua voz, as suas músicas, e seu jeito de ser e de se apresentar a tornam, para mim, um modelo de beleza sem igual, superior a muitas personalidades que cultivam um conceito de belo fútil, fugaz e passageiro. Talvez aí possa se abrir uma vasta e infindável discussão acerca do conceito do “belo”.


Alguém oferece rosas vermelhas a Zélia. Ela as recebe de uma forma doce e educada, e espalha as pétalas por quase todo o seu percurso no palco. Posso ser capaz de afirmar que senti o perfume dessas rosas, e que vi, através desse gesto, que o carinho e admiração de seus fãs estavam, nesse momento, e metaforicamente, pavimentando o caminho artístico dela e fazendo parte de seu “ser” artístico. Nada melhor para justificar o porquê da identificação de muitas pessoas com as canções que estavam sendo apresentadas.


E, como era infelizmente previsível, o show acaba. Mas a tristeza por ter chegado ao fim é eclipsada pelo êxtase e pela felicidade de estar perto e ouvir Zélia, e te ter desfrutado de momentos de puro prazer. Posso afirmar que o sentimento de plena realização é praticamente comparável a um orgasmo, mas um orgasmo que se dá de uma forma harmoniosa e mais duradoura. E muitos daqueles sofrimentos, desilusões, agonias, angústias e incertezas se tornam mesquinhos, pequenos... A felicidade pode residir em detalhes às vezes quase imperceptíveis, e o pouco se torna muito quando bem vivido e apreciado. E também, quase sempre, esses detalhes estão em momentos e situações imprevisíveis.


Obrigado, Zélia Duncan, por ajudar a enxergar meus sentimentos e minha realidade de uma maneira menos negativista, e mais tranqüila. Um show a mais para vc, uma cidade a mais visitada, mas acima de tudo, um grande momento de paz e felicidade para mim.