domingo, 26 de agosto de 2007

Edição Especial de Astrologia: O Ariano, por ele mesmo...


O Ariano é turrão. Não ouse desafiar o ariano, ele vai mover mundos fundos para provar que está certo, e utilizará de todos os meios possíveis para tal empreitada. Entregar os pontos, desistir, abaixar a cabeça, acomodar-se, são situações que não constam da lista das “Mais mais” do Ariano. Cabeça dura? Que nada, apenas uma cabeçada sua pode trincar o mais puro diamante.

O Ariano é brigão. Se existe uma guerra, é para ser vencida. E de preferência, com ele liderando, e assumindo o controle de todos os pontos. Controle dos detalhes não, o Ariano não é detalhista. Procura enxergar dentro do todo a razão de sua batalha e a perspectiva de vitória. E ele pode também questionar as definições de ética para conseguir seu intuito. Churchill é exímio exemplo.

O Ariano é um apaixonado. Age mesmo imprevidentemente para agradar àqueles que ama, e também para massacrar aqueles que odeia. Seus procedimentos são sempre embutidos de um toque especial de impulsividade, aonde o fim justifica os meios. A felicidade do ariano é, em grande parte das vezes, fazer a felicidade alheia. A doação espontânea e absoluta é característica “si ne qua non” de sua personalidade. Se vc exprime algum desejo e vontade a ele, pode esperar que em pouquíssimo tempo ele estará os realizando. Gênio da lâmpada! Mas não confinado, pois o Ariano precisa de espaço, principalmente à sua frente. Uma pessoa que limite o espaço da criatura pode se sentir no final como as roupas do Hulk durante a transformação.

O Ariano é descuidado e desastrado. Habilidades manuais não são seu forte. Esqueça o artesanato, o bordado e a aula de pintura. Como não é detalhista, escapam a ele diversos pontos aonde poderia investir para melhorar o todo. Não é bom revisor de textos, e nem webdesigner. Mas é um excelente crítico. Não deixe jogos de porcelanas inglesas e seus vasos Ming no caminho desta Scania, ele costuma passar sem nem ao menos notar o que está em seu percurso. Mas se quebrar algo, reporá em tempo recorde.

O Ariano é prático. Nada de falácias, pense somente na aplicação real do que pretende que ele faça. Reuniões e filmes brasileiros, todos deviam terminar meia hora mais cedo. As famosas DRs (discussão de relação) são uma verdadeira faca em seu peito. Ao pensar em problemas, ele é o primeiro a querer solucioná-los, e mesmo não estando envolvido diretamente, não vai sossegar enquanto não ver tudo no seu caminho correto. Injustiças também têm seus dias contados quando descobertas, todo o seu furor e concentração estarão focados para dizimá-las. Quer fazer uma tortura chinesa com o Ariano? Coloque-o em uma reunião de duas horas, com trocentas pessoas falando, e sem nenhum resultado prático e real no final.

O Ariano é um viciado nato. Procura extrair das coisas boas da vida o seu sumo, até a última gota. Tudo que é bom ou mata ou engorda. É predisposto, então, à obesidade. Não regule a alimentação dele, corre-se o risco de receber o prato de feijão tropeiro na cara. Da mesma forma, não questione o seu tabagismo, ou seus excessos em geral, dependendo do grau de paciência (geralmente curto), as respostas podem variar de um simples sorriso irônico a um desfile de imprecações impublicáveis.

O Ariano é um velocista. Ayrton Senna foi o maior exemplo. Ele não tem tempo a perder, a não ser com seus excessos. Atrasos para esta divindade são imperdoáveis. O trem se espera é na estação, e a missa se espera é na igreja. Seu tempo é calculado de forma a realizar o máximo de coisas no intervalo de tempo o menor possível. É quase que uma relativização do conceito de espaço, pois seu objetivo é estar em todos os lugares no mesmo espaço de tempo. O relógio é seu melhor aliado, e acessório imprescindível. Identifique em uma multidão os arianos pelo seu andar curto, mas apressado. Caminhe ao lado dele, nunca na frente, com certeza ele poderá (e IRÁ) te atropelar em algum momento.

O Ariano é um realista. Não espere dele demagogias e utopias. E muito menos que ele assuma o lugar comum de dizer o que geralmente as pessoas não dizem. Adora desafiar dogmas, estereótipos e jogar na cara dos outros aquilo que elas mais querem esconder, ou aquelas coisas que tentam mascarar utilizando palavras e expressões mais suaves. Gosta de dar as definições claras de tudo. Exemplo: Se alguém vende o corpo, é prostituta, não importa se fazendo isso obviamente nas calçadas, ou disfarçadamente para obter vantagens pessoais. Chavões são um inimigo em potencial de nosso querido amigo do primeiro signo do zodíaco, portanto, a não ser que você tenha um objetivo claro de irritá-lo, esqueça-os na sua presença.

Conseqüentemente, o Ariano é um desbocado. Não tem vergonha e nem pudor de demonstrar publicamente seus sentimentos, e faz isso com extrema eficácia e intensidade. Mas pode também guardar o que sente, e se comportar de maneira adversa ao esperado, apenas para conseguir obter sua tão almejada vitória. Se algo é real, é verdade, porque esconder? Não, não aguarde que ele vá utilizar de meios diplomáticos para resolver contendas, ele prefere expor a situação nua e crua, para que se possa ter noção do problema TOTAL, e daí ter vontade de realmente resolvê-lo.

O Ariano é um cético. Não acredita em nada, até que ele prove que aquilo realmente corresponde a realidade. Não imagine credulidade gratuita vinda de nosso amigo. Ele pode questionar até os pormenores inimagináveis, tentando localizar furos que invalidem alguma teoria. Ele não segue caminhos pré-determinados, vai ceifar a floresta para construir o próprio. Desbravar é um lema para o Ariano, e um prazer, o qual é muito maior do que chegar no ponto final. Imagine Indiana Jones no meio de uma floresta tropical fechada, com uma foice na mão, abrindo caminho para a caravana (e na frente dela!). Clássica definição ariana! Também clássica é a cena aonde Indiana tira o revólver e atira no espadachim fazendo acrobacias na sua frente, ao invés de atacar. Áries grita nessa hora de tanta identificação!

O Ariano é um cigano. Se ele percebe que sua função em algum lugar está acabada, que ele não é mais necessário, ou que está beirando o comodismo, não hesitará em mudar completamente sua vida. New York, London ou Zimbabwe, tanto faz, ele vê vantagens e desvantagens em todos os lugares. A falta de perspectivas e o comodismo são como uma apunhalada em seu coração. A paixão o move constantemente! Existem muitos lugares no mundo que necessitam de suas atitudes, ele não deve ficar parado sem produzir, isso para ele é definição de MORTE. Ser um Médico sem Fronteiras é um de seus grandes sonhos.

Prazer, Ricardo Portela, Ariano do dia 25 de março! À sua disposição!

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

A aliança (possível) entre o sentimento e a razão


Não te peço que me compreendas. Acredite, sou uma pessoa além da compreensão, não que eu queira me fazer de especial, ou dizer que sou melhor do que os outros, apenas diferente. E pauto minha vida e minhas atitudes pelo inesperado, pelo inusitado. Costumo me divertir com chantagens emocionais e assumir posicionamentos completamente contrários daqueles que as pessoas esperam que eu assuma perante um desafio, ou que queiram induzir me chantageando. A rotina e a monotonia são minhas inimigas mortais, e costumo, por exemplo, trocar meus caminhos de ida e volta ao trabalho apenas para não cair na mesmice. E assumo minha personalidade multifacetada, com reações e posicionamentos que se enquadram a cada situação específica, a cada momento em particular. As moléculas que compõem meu corpo são as mesmas encontradas na natureza, dessa forma posso ser um riacho calmo que inspira e acalma, ou um imprevisível e destruidor maremoto. Portanto, apenas me entenda, não me compreenda. O tempo que vc gastará para tentar me compreender poderia representar um risco de inércia, e com certeza resultaria em um grande disperdício.

Não te peço que me ames. Amor substantivo abstrato, não tem forma, cor, odor, e muito menos pode ser mensurado. Nunca caia na armadilha de dizer que fulano ama mais sicrano do que o sicrano ama fulano, não tem como se medir algo tão abstrato e de definição tão imprecisa. Ou este amor existe ou não faz parte deste relacionamento. E também amar é verbo intransitivo, não precisa de complemento. Tampouco de condições. Algo assim tão difícil de descrever, também torna-se problemático de estabelecer se faz parte do rol pessoal de sentimentos por outrem. Outra perda de tempo é gastar horas e horas fazendo uma auto-análise para tentar definir se está se amando ou não outra pessoa. Para deixar as coisas mais simples, tente sentir e expressar outros substantivos abstratos que são muito mais palpáveis, como respeito, atenção, carinho, dedicação, afeto, honra, verdade, cumplicidade. Quem sabe essas palavrinhas conseguem estabelecer aos poucos e em partes o verdadeiro sentido de amar!

Não te peço que me bajules. Adulação é prima próxima da falsidade, da demagogia, do cinismo e da pobreza de espírito. Tenho qualidades que são dignas de grandes elogios, mas também defeitos à altura da execração. Como toda e qualquer pessoa, sou um amálgama de características, que, dependendo do ponto de vista, podem ser consideradas boas ou más, mas em que em grande parte das vezes transitam na linha tênue que separa esses dois opostos. Apenas reconheças que sou o somatório de todas essas posições antagônicas (ou não), e que é justamente isso que define a minha personalidade. E que, em algumas situações, o meu verdadeiro SER pode ficar mascarado dentro de um ESTAR provisório, fruto de um momento ou mesmo de uma conjunção de fatores, os quais por mais que se esforce acabam por influenciar camadas mais profundas da consciência.

Não te peço performances ou atitudes espetaculares. A busca dessa excelência pode beirar o artificialismo, e dessa forma se expressar de forma vazia e fugaz. Aqueles que dão valor às grandes coisas, ou aos momentos mais marcantes, acabam jogando no lixo tempo de vida precioso a espera desses acontecimentos supranormais, e nunca se satisfazem com o que acabam obtendo, procurando sempre por mais, e mais... Quando aprendemos a dar valor às pequenas coisas, aos ligeiros detalhes, ou mesmo a pormenores que passam despercebidos, conseguimos agregar em nossa vida um maior número de momentos felizes e de paz interior. Um toque macio e suave, um afago inesperado, uma palavra de afeto em um momento inusitado, um olhar que transmite a frase chave “eu me importo com vc”, podem valer muito mais do que uma noite de sexo selvagem e enlouquecido.

Não te exijo riquezas. Dinheiro é algo que realmente não traz felicidade, mas ajuda a manter a preocupação distante. Mas perder a dignidade e a honra por conta de benefícios financeiros traduz uma falta de caráter incomensurável. Porque ao invés de esperar que possas fazer tudo por si só, não preferes construir um caminho a quatro mãos, e dessa forma com maior eficiência e perfeição? Apenas exijo que torne sua vida um campo de perspectivas e planos, e que através destes construa seu futuro, sem se render ao comodismo de uma situação que em muitos momentos pode parecer não confortável. Traduza seus pensamentos em atitudes práticas. Ao invés de reclamar dos problemas, tente dispender tempo procurando as soluções. E sempre que precisar de qualquer coisa que seja, conte comigo, pois na maioria das vezes consigo ser muito mais feliz quando contribuo para a realização da felicidade das pessoas que me rodeiam.

Já que estou tocando nesse tema, não pretendo que sejas a razão de minha felicidade, e muito menos que eu seja a base da tua. Como diria o Sidarta, nunca devemos permitir que a nossa felicidade dependa de outras pessoas, ela deve única e exclusivamente ser construída e alicerçada por nós mesmos, sem ter nenhum pilar içado sobre outras individualidades. Somos completamente responsáveis por tudo que nos acontece, e jogar para cima dos outros a responsabilidade de nossos atos é simplesmente nos tornar cegos para características próprias que devem ser trabalhadas e aprimoradas. Aceitar-se a si mesmo não significa dizer “sou assim mesmo e pronto” (a famosa Síndrome da Gabriela – eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim...). Isso vai de encontro a todo e qualquer conceito de evolução e desenvolvimento, os quais acredito sejam as verdadeiras razões de nossa existência. O poder de auto-análise e avaliação, associado com a perspicácia de encontrar maneiras e caminhos para atingir o aprimoramento, são características fundamentais em qualquer um que realmente queira aproveitar cada momento da vida.

Apenas te peço que sejamos como duas massas de modelar, as quais possam se moldar uma a outra, se adequar mutuamente, se encaixarem, sem nunca perder as suas características básicas originais.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Um Lobisomem Mineiro na Cidade do Salvador - Parte I



Estar acordado às três horas da manhã, sem nenhum sono, e sem paciência para ver nada na televisão, é indicativo de que essa é mais uma daquelas tradicionais noites de guerra com Morfeu. Creio que eu já me acostumei com essa situação, e mesmo meu corpo não dá sinais de cansaço no dia seguinte. E a primeira vista, aqueles que não me conhecem o suficiente, já pensam que eu estou com problemas, que alguma coisa não me deixa dormir. Não deixam de estar completamente certos, pois minha cabeça funciona continuamente pensando mil coisas ao mesmo tempo, mas não é algo diretamente relacionado a problemas.

A idéia recorrente passa na cabeça, dirigir é desestressante. Visto-me rápido, e ao me vestir relembro uma das vantagens de morar aqui, nunca faz frio, não existem complicações maiores com O QUE se vestir. Olho para os gatos, esses sim abençoados, pois dormem de dia, e também de noite, sem nenhuma dificuldade. Mas nesse momento acordam e me olham, e lançam aquele olhar de incredulidade que qualquer pessoa que morasse comigo me lançaria, algo do tipo “Vai sair de casa a essa hora?”. Sem maiores problemas, talvez eles mais do que qualquer um entendem.

Desço, e é hora de acordar o porteiro para abrir o portão. Este sim, apesar de não poder, dorme profundamente. Após diversas tentativas, no qual se balanceia a vontade de acordá-lo com o medo de fazer barulho e incomodar o resto do prédio, consigo. E recebo o terceiro olhar de incredulidade.

Entro, ligo o carro, e Billie Holiday começa a convenientemente conversar comigo, falado de sua “Solitude”. Os fantasmas que assombram Billie talvez tenham a mesma natureza dos meus. Definitivamente, além dos gatos, Billie também pode me entender (e sendo sincero, entendo-a também perfeitamente), e por isso me acompanha nesses momentos.

Caminho a seguir? Claro, a orla. Outra grande vantagem de se morar nessa cidade, não existe remédio melhor do que andar, ou passar de carro na orla, nesses períodos de auto-questionamento. As ondas batendo nas pedras me lembram de algo que me foi dito há muito tempo: “Seja igual à água dos rios, que ao encontrar a pedra, pacientemente desloca seu rumo, contornando seu obstáculo, mas pouco a pouco vai erodindo a pedra, até retornar ao seu curso original”. A mesma coisa acontece com a água do mar enfrentando as rochas da orla, espero eu. E a mesmíssima coisa deve acontecer em minha vida.

Alguns gatos pingados e pardos povoam a fauna noturna da cidade. Lojas de conveniência são paradas obrigatórias deles, aonde uivam para a lua comemorando o seu abandono, regados ao bálsamo etílico amargo, mas eficaz ao servir de ferramenta de desprendimento da realidade. Bebe-se muito nessa cidade, em qualquer hora, qualquer ocasião, talvez a energia desprendida em festas, eventos, ocasiões, se fosse um décimo direcionada para realizações práticas na vida, fariam esse lugar evoluir bastante.

Lembro-me de minha avó... lembro-me de Tia Iêda. Essas lembranças são ótimas para amolecer meu coração, nada melhor do que utilizar os flashes de memória com pessoas as quais vc realmente amou e foi amado por elas, e que representam marcas de vivência que se apagam, para quebrar o gelo da racionalidade. A fase Vulcana se prenuncia em mim, a lógica tem tomado conta de minhas decisões e pensamentos. Quando avalio a realidade e vejo que essa lógica está muito forte, procuro ser um pouco Dr. Spock, meio humano e meio Vulcano. Faço bobagens sendo extremamente racional, mas também sou exímio em executar tolices as mais diversas quando migro para o extremo sentimental.

O vento se torna mais intenso, a chuva começa. Aqui é comum “chover mar”, porque aliada a chuva vem uma forte maresia, e é fácil constatar que as gotas de chuva são salgadas. Meus aparelhos eletrônicos passam na mente, resquício da lógica e da racionalidade, essa maresia está acabando com meu computador (já acabou com um, indubitavelmente acabará com o segundo), vai acabar com minha televisão, com meu som. Às favas com essas preocupações, como diria Dona Auzinda: “Mais tem Deus a dar do que o diabo a carregar”. Diabo? Um fenômeno natural como esse, e eu o delego às forças demoníacas? Ok, “força de expressão”.

Outra espécie comum na fauna noturna são os automobilistas de ocasião, que adoram ruas desertas, e pessoas tentando dormir, para exibir suas “habilidades” ao volante. Mais uma forma de atrair a atenção alheia que têm lhes faltado no cotidiano, e de algum modo tentar extrair de si um PODER, que não conseguem ter em seu trabalho e vida pessoal. Distância deles, gosto muito de meu C3 redondinho para algum palhaço desses fazer qualquer coisa com ele. A Lógica de novo... quem sabe se eu me juntasse a eles, pelo menos desse prazer transitório eu poderia desfrutar? Não, não é o tipo de PODER que quero ter, aliás não consigo ter, e a minha precaução fala mais alto. Meus momentos de atitudes impensadas e de rompantes são, como devem ser todos, raros e imprevisíveis.

Previsibilidade, palavra mais chata, que me enoja. Ser previsível é ser chato, é ser monótono, é ser manipulado pelos outros que agem com vc de uma forma induzindo a uma ação previsível. É conferir a outrem a chave do carro de suas decisões. Por isso tenho o prazer de ser imprevisível, pois adoro reagir de uma forma completamente oposta quando me induzem a determinados comportamentos. O prazer maior fica em ver a cara de espanto de quem esperava um vulcão, e acaba encontrando um riacho calmo, ou vice-versa, claro.

Itapoã, além daqui minha personalidade precavida não me aconselha a ir (Precavida, Ricardo Portela? Sair na rua para dirigir a uma hora dessas é algo precavido?). Tudo bem, vamos voltar. A volta também é pela orla, mais um caminho inteiro para desestressar e pensar. Relembro Viçosa, e de como pude me tornar EU mesmo lá, sem estar a sombra dos outros, e sem ser um robô programado a repetir a trajetória de meu pai, como esperavam que eu fosse em Miguel Pereira. O melhor de lembrar da época de graduação e mestrado é que foram tantas pessoas que atravessaram meu convívio nesse tempo, que é impossível de lembrar de todas ao mesmo tempo, e de todas as situações também. O mais prazeroso é que, de repente, surgem na memória fatos ou indivíduos do qual não se recordava há muito, e achá-los nessa revirada do baú me suscita novos questionamentos e formas de encarar a vida.

Placaford, Pituaçú, Piatã... chegando perto de casa. Os coqueiros que se adaptam ao vento, se curvam a ele, mas não caem (na maioria das vezes...) me lembram da adaptabilidade. Avisam que conseguir se moldar a realidade é fator indiscutível para poder viver. Fico rindo comigo mesmo ao lembrar da frase “Na Bahia tem mais artistas do que coqueiros”. Não deixa de ser uma grande verdade, além do povo ter uma grande vertente artística, e não ter pudor em expressá-la, associado a isso tem muita gente que gosta de viver de arte, pensamentos, idéias, mas que raramente as coloca em prática. Imobilismo associado a conformismo, com um ligeiro tom de preguiça. Sem generalizações, por favor, mas muitos conduzem sua vida assim.

Vou me agregar aos animais da fauna dos postos de conveniência. Mas apenas transitoriamente, para adquirir as pílulas de prazer as quais me dou a liberdade de consumir: M&M. Entro e saio do modo mais à francesa que posso, não quero ser notado por eles, prefiro sair incólume de comentários e predicações. E de posse de meu vício, retorno para casa.

Mais uma tentativa frustrada de acordar o porteiro. Bater o farol alto não adianta. Terei que dar aquela leve buzinadinha, assumindo o risco de incomodar alguém dos andares mais baixos. Em uma grande dificuldade, ele acorda e abre o portão, e lá vou eu para as mais arriscadas manobras para colocar o redondinho em seu devido lugar. Passo e entro no prédio sorrateiramente, não há explicações devidas a dar.

Os gatos me recebem com um olhar o qual tento decifrar: seria “Já de volta?” ou um “Demorou, hein?”. Não faço idéia, dispenso o relógio nessas ocasiões, prefiro desfrutar o tempo sem medidas, sem pensar se é cedo ou tarde demais. Minha irmã estava certa ao dizer que gatos não são interesseiros, são interessantes, e sua faceta de mistério me fascina. Nada muito aberto, muito óbvio, muito fácil de entender é digno de verdadeiro interesse, o bom está em tentar compreender e na dúvida. Sim, pensando dessa forma, meus gatos são esfinges, “Decifra-me ou devoro-te”. Ou "decifra-me, ou dê-me algo para devorar...".

Chamo os dois. O ciúme impede que ambos durmam comigo, o espaço da cama é suficiente para apenas um. Mas tudo bem, tudo calmo, tudo em paz, vou dormir mais calmo, mais sossegado, com a cabeça repleta de indagações, dúvidas e devaneios, com um pouco menos de tempo, mas com a paz comigo mesmo que, de alguma forma, a caminhada noturna me ajudou a ser um pouquinho mais Ricardo Portela. Agora vamos ao sono, e à grande aventura que isso representa, com os intermitentes sonhos, expressando explosões mais variadas do inconsciente. Mas isso é assunto para outra aventura desse lobisomem, meio homem, meio canino, mas com um especial tempero felino.