sábado, 6 de outubro de 2007

No meio da tormenta, aparecem sempre lampejos reconfortantes....



Nessa noite, lembro-me de Zélia Duncan. Sim, a cantora niteroisense que grande parte do Brasil aprendeu a admirar. Recordo-me de quando a vi, no Palácio das Artes de Belo Horizonte, há alguns anos atrás, e também de como fui parar lá.


Estava eu em um sábado, bem de manhã cedo, rodando de carro por BH. Tinha sido mais uma noite DAQUELAS, em que tinha me sentido “the last of the lasts”. Mais uma noite típica do período negro que vivi em minha vida, no qual toda e qualquer faceta racional foi ofuscada por uma prevalência de um lado extremamente emocional e insano. E mais uma noite na qual sofri, na qual fui defrontado com todos meus fantasmas do passado (ponto para Dickens) e que fui assombrado por eles, através da visão que me ofereciam de quanto eu poderia ser alguém tão cheio de defeitos e problemas, a ponto de me tornar completamente indesejável e causador de nojo.


E de repente, vejo na Avenida Álvares Cabral um cartaz do show que Zélia Duncan iria fazer em Belo Horizonte. Não tinha a menor noção de que ela estaria na cidade. E comecei a me lembrar de músicas que ela cantava, tais como “num apartamento, perdido na cidade, alguém está tentando acreditar que as coisas vão melhorar ultimamente”. Ledo engano, Zélia, as coisas não vão melhorar, aliás elas caminham para um beco sem saída e com perspectiva de pioras. Na medida do impossível, está dando para se viver, na cidade de BH, o amor é imprevisível e inatingível.


Zélia, que sempre cantou poesias que encaixavam com perfeição nos buracos formados em minha alma. “O deserto que atravessei, ninguém me viu passar, estranha e só, nem pude ver, que o tempo é maior, olhei pra mim, me vi assim, tão longe de chegar, mas perto de algum lugar..” Que sempre expressou momentos que marcaram a fogo minha vida por diversas vezes, e profundamente. “O que vc quer, o que vc sabe, não é fácil pra mim, meu fogo também me arde, as vezes, me vejo tão triste.. . meu coração, só se esconde e dói...”. Que sempre esteve comigo quando lágrimas insistiam em parecer inexauríveis, e o fim da dor inacessível. “Quando olhaste bem nos olhos meus, e teu olhar era de adeus, juro que não acreditei, eu me estranhei e me debrucei sobre teu corpo, e te agarrei nos teus cabelos... dei pra maldizer o nosso lar, pra sujar seu nome, te humilhar, e me entregar a qualquer preço, te adorando pelo avesso...”. Concluindo, é exatamente o que eu estava precisando neste instante.


Data do show? No mesmo dia, naquele próprio sábado. Corro eu para o Palácio das Artes, rezando a todos os santos, orixás e beatos para conseguir uma entrada. Vou sozinho mesmo, a certeza quase indubitável de que terei de ir “all by myself” nesse show me faz desistir de qualquer tentativa de chamar quem quer que seja. Atitudes práticas, rápidas e objetivas são características minhas.


E, incrivelmente, consigo a entrada para o show. E olho para aquela entrada como uma possível passagem entre a dimensão que estou vivendo, e uma segunda, aonde as dores e os sofrimentos são atenuados e dispersos por uma voz cantando letras e músicas conexas. E me concentro naquele ingresso, como se fosse o último pedaço de esperança que me restasse, um bálsamo para tudo aquilo que estava passando e sentindo naquele momento.


Passo o resto do dia naquela ansiedade clássica de quem está próximo de um grande acontecimento. Compro roupas novas, cantarolo as músicas pelos cantos da casa, lembro-me de Niterói, telefono para minha mãe contando do acontecimento da noite. Sim, sempre minha mãe ouvindo, mesmo que disfarçadamente muitas vezes, tudo que acontece em minha vida.


E vou para o show. Quase uma hora e meia antes, aprendi com os mineiros que “o trem se espera é na estação” ou mesmo, como dizia a minha avó, “a missa se espera é na igreja”. Preciso me precaver contra qualquer imprevisto, o acontecimento é demasiadamente especial para ser perdido. Consigo fácil o estacionamento, e fico na porta do Palácio das Artes aguardando o momento da entrada triunfante. Essa experiência é muito enriquecedora, pois consegue-se observar as pessoas que chegam para o show, e vê-se claramente nos olhos destas que muitas encontram-se na mesma situação, ou, de outra forma, que possuem sensibilidade suficiente para conseguir entende o que Zélia vai transmitir. A sabedoria popular é inteligente ao afirmar que “um olhar vale mais do que mil palavras”.


As portas se abrem, entro e fico sentadinho em meu lugar marcado. Não é dos melhores, mas também não é dos piores. Estar sozinho num show tem essa vantagem, consegue-se bons lugares pois, como quase todos vão acompanhados, os lugares isolados que vão aparecendo de acordo com a venda dos ingressos são muito pouco disputados. E sentado admiro o teatro, cada forma, cada reentrância, cada detalhe, como se aquele palco fosse um Templo no qual a pitonisa estive a ponto de adentrar e expressar suas previsões.


As luzes se apagam, e a música começa a ser tocada. E de repente, os músicos entram por trás do teatro, e Zélia caminha com eles. E ela passa ao meu lado, e esse simples e fortuito “quase” contato me deixa extasiado. Que sorte pegar aquele assento de quina. E ela começa a cantar, uma a uma, canções reunidas num show intitulado “Eu me transformo em outras” (ou quase isso). Só o título é algo com o qual me identifico, pois muitas vezes, de acordo com cada situação, eu acabo me transformando (ou assumindo) outras personalidades, sempre no intuito de poder melhor me adaptar ao ambiente e responder as exigências e anseios alheios de forma mais plausível. E cada canção penetra em meus pensamentos, une-se a minha mente e permite que, naquelas poucas horas, minhas perturbações e angústias sejam esquecidas e remediadas.


Zélia não possui uma beleza clássica e nem condizente ao estereótipo que muitos procuram e almejam na atualidade (ODEIO ESTEREÓTIPOS). Mas a sua voz, as suas músicas, e seu jeito de ser e de se apresentar a tornam, para mim, um modelo de beleza sem igual, superior a muitas personalidades que cultivam um conceito de belo fútil, fugaz e passageiro. Talvez aí possa se abrir uma vasta e infindável discussão acerca do conceito do “belo”.


Alguém oferece rosas vermelhas a Zélia. Ela as recebe de uma forma doce e educada, e espalha as pétalas por quase todo o seu percurso no palco. Posso ser capaz de afirmar que senti o perfume dessas rosas, e que vi, através desse gesto, que o carinho e admiração de seus fãs estavam, nesse momento, e metaforicamente, pavimentando o caminho artístico dela e fazendo parte de seu “ser” artístico. Nada melhor para justificar o porquê da identificação de muitas pessoas com as canções que estavam sendo apresentadas.


E, como era infelizmente previsível, o show acaba. Mas a tristeza por ter chegado ao fim é eclipsada pelo êxtase e pela felicidade de estar perto e ouvir Zélia, e te ter desfrutado de momentos de puro prazer. Posso afirmar que o sentimento de plena realização é praticamente comparável a um orgasmo, mas um orgasmo que se dá de uma forma harmoniosa e mais duradoura. E muitos daqueles sofrimentos, desilusões, agonias, angústias e incertezas se tornam mesquinhos, pequenos... A felicidade pode residir em detalhes às vezes quase imperceptíveis, e o pouco se torna muito quando bem vivido e apreciado. E também, quase sempre, esses detalhes estão em momentos e situações imprevisíveis.


Obrigado, Zélia Duncan, por ajudar a enxergar meus sentimentos e minha realidade de uma maneira menos negativista, e mais tranqüila. Um show a mais para vc, uma cidade a mais visitada, mas acima de tudo, um grande momento de paz e felicidade para mim.

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