“Minha alma canta, vejo o Rio de Janeiro..”. A música de Tom Jobim não me sai da cabeça. Nesse fim de ano, atolado de provas, correções, concursos, conspirações e coisas afins, a mente se fixa na data de 18 de dezembro. Nesse exato dia, os Transportes Aéreos Marília me levarão desse lugar em direção à minha terra natal.
Quero minha mãe, quero estar ao seu lado, e poder ajudar o que eu puder, poder lhe atender em tudo que me for possível. Quero poder cozinhar para ela e para todos os amigos de longa data, que fazem relembrar minha infância e de tudo que passei em bons momentos (e também alguns não tão bons assim) em Miguel Pereira. Quero armar a árvore de Natal, ver cada detalhe, e tentar dessa forma encher a casa com um pouco de espírito mais puro e humano, que apesar de cada dia mais raro e pouco lembrado, quem sabe pode acender pequenas chamas em corações os mais duros possíveis.
Quero meus amigos de longa data, revê-los, abraçá-los, dividir um pouco de minhas aflições, perspectivas e realidade. Quero as conversas longas, quando se esquece a hora, e quando os assuntos fluem, sem nem ao menos se forçar a continuidade do papo. Tia Gracinha, modelo e exemplo de caráter, retidão e de atitudes corretas. Pai Paulinho, irmão de coração de longa data, Regina pessoa querida que mora em lugar especial no meu coração.
Desejo imensamente dar um tempo dessa terra com tanta mediocridade e leniência. Por um momento, por mais que se aparente com uma fuga, quero esquecer problemas, dilemas, intrigas e escárnios. Anseio me sentir perto de pessoas que representem algo a mais, e que tenham esse algo a mais para oferecer, e que fazem você crescer com apenas alguns minutos de convivência. Quero ser compreendido, quero de novo pessoas que não pré-julgam, e que não possuam a incrível necessidade de retrucar tudo que se fala, apenas pelo simples prazer de ser contrário a tudo que se pensa ou se deseja fazer. Falar somente uma vez e ser ouvido por pessoas com capacidade de entender sem ter que se repetir trocentas vezes a mesma coisa ou mudar o que se fala para um vocabulário “mais acessível”.
Quero a Lapa, a Portela, o réveillon de Copacabana, ou mesmo o do Lago de Javary. Quero a empada do Belmonte, o Rib´s do Outback, o hot dog da Rua das Laranjeiras, ou mesmo o sanduíche de pão com lingüiça do Alemão. Quero me sentir de novo em casa para poder rememorar (mesmo que somente na lembrança) gostos perdidos num tempo longínquo que não volta mais, como as balinhas de coco de Dona Arinda, a moela da Dona Auzinda e as bolinhas de queijo e milho de Odaléa.
Quero o frio de minha serra, o nevoeiro que chega aos poucos e de tudo se apossa, tornando a pequena cidade do interior fluminense quase uma Londres. O cobertor, as meias de lã, os casacos tricotados por mãos mais que queridas, todos juntos formando um cenário que as vezes me parece tão distante.
Quero ouvir o tambor tocando para buscar quem mora longe (e me trazendo), quero a fé simples, humana, rediviva, sem questionamentos desnecessários e deslocados. O pé no chão, a candura e a simplicidade do branco, o pedido de iluminação sintetizado na frágil luz da vela, a palavra curta e simples, mas ao mesmo tempo carregada de significado e de discernimento, as palmas festejando a alegria de poder crer em algo maior.
Quero ouvir a máquina de costura consertando a roupa antiga, mas da qual se tem gosto de usar, o barulho dos bandos de maritacas, o rádio que anuncia o começo do dia na cozinha, a voz da vizinha tão querida que chama querendo me rever, ou mesmo o silêncio das noites frias da cidade perdida entre os morros da Mata Atlântica.
Quero o frescor e o prazer de estar na cachoeira, à beira do rio, o vento frio que bate no rosto nas manhãs quando se vai comprar o pão na padaria de Lourdes, a cabeça inclinada da pastora alemã pedindo afago, o bicar suave da maritaca Cleo passeando em meus ombros.
Mãe-de-santo firma seu congá porque Xangô vai chegar!
MÃE, EU TÔ CHEGANDO!
Ricardo Wagner